5 - Estando esta criança em idade pré-escolar, já se consegue perceber se
está perante uma disfluência fisiológica ou se está perante um quadro mesmo de
gaguez? Como fez essa distinção?
Existem fatores de risco, descritos na
bibliografia que nos permitem perceber se estamos perante uma difluência normal
do desenvolvimento ou uma gaguez “verdadeira”. São eles: 1) antecedentes
familiares; 2) o facto de a gaguez surgir depois dos 4 anos de idade; 3) ter
uma duração superior a 6-12 meses; 4) o género (masculino ou feminino); 5)
fatores linguísticos; 6) existência de tensão física; 7) temperamento; 8)
existência de consciência da criança sobre a sua gaguez; 9) ambiente família.
Neste caso específico, apesar de a criança ainda
estar numa idade em que a ocorrência de remissão espontânea é possível,
apresenta alguns fatores de risco que devemos ter em consideração: 1) A criança
gagueja há mais de 12 meses; 2) Apesar de não demonstrar sinais de tensão
física, faz mais de duas a três repetições nas palavras gaguejadas; 3)
Apresenta consciência da sua dificuldade; 4) o ambiente familiar constitui-se
como um dos fatores com mais relevância neste caso em específico, uma vez que a
criança só gagueja na presença dos pais.
6 - Quais as dúvidas mais frequentes que os
pais lhe colocam acerca da gaguez?
As dúvidas mais frequentes relacionam-se com a etiologia da
problemática e tratamento. Infelizmente ainda estão muitos mitos enraizados na
nossa população e ainda permanece a ideia de que a gaguez é causada por um
susto. O tratamento é uma das questões que aparece logo no primeiro dia de
consulta, pois a maior parte dos pais vêm com a ideia da cura. Numa fase
inicial muitos pais, acabam por ficar desiludidos, ou frustrados com o facto de
não existir cura para a gaguez.
Existe ainda dúvida dos pais de crianças com gaguez relativamente à
forma como reagir perante um momento de disfluência. Os pais querem ajudar os
filhos, aquando um momento de gaguez, mas nem sempre sabem o que fazer e muitas
vezes acabam por ficar ansiosos. Muitas vezes, esta ansiedade e sentimento de
impotência perante a dificuldade do filho passa para as crianças que ainda se
sentem menos confiantes e mais culpadas pela sua gaguez.
7 - Acha que a população em geral está
devidamente informada acerca desta problemática? Se não, como acha que se
poderia passar essa informação à comunidade?
Nos últimos anos, penso que assistimos a um
aumento da informação relacionada com esta problemática. Uma grande ajuda foi,
sem dúvida, o filme “The King’s speech”, que fez com que grande parte da
população ficasse mais sensibilizada para as questões relacionadas com a
gaguez. Ainda assim, a nossa sociedade continua enraizada com mitos que já
deveriam ter desaparecido há décadas. Ainda persiste o mito do “susto”, da
“respiração” como técnica de intervenção na terapia da fala, das questões
“psicológicas”, entre outras…
Para criarmos campanhas de divulgação com o
objetivo de fornecer informação à comunidade, temos em primeiro lugar de
perceber quais são, exatamente os mitos e as duvidas que persistem na nossa
sociedade, só assim conseguimos fazer uma divulgação efetiva.
Precisamos sem dúvida de criar estratégias para
informar a população médica. Quando existe algum problema/dúvida relacionado/a
com as crianças, os pais dirigem-se em primeiro lugar aos médicos. A maior
parte dos médicos não tem em atenção os fatores de risco na gaguez e guiam-se somente
pela taxa de remissão espontânea, pelo que são “perdidos” muitos casos onde
poderia ter existido uma intervenção precoce.
Precisamos ainda de informar os professores, que
lidam diariamente com as crianças Para quem encaminhar? O que fazer quando as
crianças estão a gaguejar em sala de aula? Estas são duvidas comuns nos
professores, mas que vão sendo esquecidas, porque a turma é muito grande e não
dá para prestar atenção apenas a uma criança, o tempo é reduzido, há outras
coisas “mais” importantes a fazer…E o tempo vai passando…
Infelizmente a gaguez não é considerada uma
dificuldade prioritária, logo as crianças com gaguez são facilmente “passadas à
frente” por outras crianças com problemáticas mais “graves”, nos atendimentos
públicos (hospitais e centros de saúde). Cada um de nós tem que lutar a sua
maneira para que a “voz” destas crianças também seja ouvida e, sobretudo, lutar
em conjunto com as organizações que se destinam a este fim, tais como a
Associação Portuguesa de Gagos e a Associação Portuguesa de Terapeutas da Fala.
Em equipa, em conjunto, conseguimos fazer mais e melhor.
Com esta entrevista, esperemos ter elucidado as pessoas acerca da maneira como se processa a intervenção terapeutica num quadro de gaguez.