sábado, 15 de dezembro de 2012

Entrevista - Terapeuta da Fala: Parte 2

5 - Estando esta criança em idade pré-escolar, já se consegue perceber se está perante uma disfluência fisiológica ou se está perante um quadro mesmo de gaguez? Como fez essa distinção?
Existem fatores de risco, descritos na bibliografia que nos permitem perceber se estamos perante uma difluência normal do desenvolvimento ou uma gaguez “verdadeira”. São eles: 1) antecedentes familiares; 2) o facto de a gaguez surgir depois dos 4 anos de idade; 3) ter uma duração superior a 6-12 meses; 4) o género (masculino ou feminino); 5) fatores linguísticos; 6) existência de tensão física; 7) temperamento; 8) existência de consciência da criança sobre a sua gaguez; 9) ambiente família.
Neste caso específico, apesar de a criança ainda estar numa idade em que a ocorrência de remissão espontânea é possível, apresenta alguns fatores de risco que devemos ter em consideração: 1) A criança gagueja há mais de 12 meses; 2) Apesar de não demonstrar sinais de tensão física, faz mais de duas a três repetições nas palavras gaguejadas; 3) Apresenta consciência da sua dificuldade; 4) o ambiente familiar constitui-se como um dos fatores com mais relevância neste caso em específico, uma vez que a criança só gagueja na presença dos pais.

6 - Quais as dúvidas mais frequentes que os pais lhe colocam acerca da gaguez?
As dúvidas mais frequentes relacionam-se com a etiologia da problemática e tratamento. Infelizmente ainda estão muitos mitos enraizados na nossa população e ainda permanece a ideia de que a gaguez é causada por um susto. O tratamento é uma das questões que aparece logo no primeiro dia de consulta, pois a maior parte dos pais vêm com a ideia da cura. Numa fase inicial muitos pais, acabam por ficar desiludidos, ou frustrados com o facto de não existir cura para a gaguez.
Existe ainda dúvida dos pais de crianças com gaguez relativamente à forma como reagir perante um momento de disfluência. Os pais querem ajudar os filhos, aquando um momento de gaguez, mas nem sempre sabem o que fazer e muitas vezes acabam por ficar ansiosos. Muitas vezes, esta ansiedade e sentimento de impotência perante a dificuldade do filho passa para as crianças que ainda se sentem menos confiantes e mais culpadas pela sua gaguez.
  
7 - Acha que a população em geral está devidamente informada acerca desta problemática? Se não, como acha que se poderia passar essa informação à comunidade?
Nos últimos anos, penso que assistimos a um aumento da informação relacionada com esta problemática. Uma grande ajuda foi, sem dúvida, o filme “The King’s speech”, que fez com que grande parte da população ficasse mais sensibilizada para as questões relacionadas com a gaguez. Ainda assim, a nossa sociedade continua enraizada com mitos que já deveriam ter desaparecido há décadas. Ainda persiste o mito do “susto”, da “respiração” como técnica de intervenção na terapia da fala, das questões “psicológicas”, entre outras…
Para criarmos campanhas de divulgação com o objetivo de fornecer informação à comunidade, temos em primeiro lugar de perceber quais são, exatamente os mitos e as duvidas que persistem na nossa sociedade, só assim conseguimos fazer uma divulgação efetiva.
Precisamos sem dúvida de criar estratégias para informar a população médica. Quando existe algum problema/dúvida relacionado/a com as crianças, os pais dirigem-se em primeiro lugar aos médicos. A maior parte dos médicos não tem em atenção os fatores de risco na gaguez e guiam-se somente pela taxa de remissão espontânea, pelo que são “perdidos” muitos casos onde poderia ter existido uma intervenção precoce. 
Precisamos ainda de informar os professores, que lidam diariamente com as crianças Para quem encaminhar? O que fazer quando as crianças estão a gaguejar em sala de aula? Estas são duvidas comuns nos professores, mas que vão sendo esquecidas, porque a turma é muito grande e não dá para prestar atenção apenas a uma criança, o tempo é reduzido, há outras coisas “mais” importantes a fazer…E o tempo vai passando…
Infelizmente a gaguez não é considerada uma dificuldade prioritária, logo as crianças com gaguez são facilmente “passadas à frente” por outras crianças com problemáticas mais “graves”, nos atendimentos públicos (hospitais e centros de saúde). Cada um de nós tem que lutar a sua maneira para que a “voz” destas crianças também seja ouvida e, sobretudo, lutar em conjunto com as organizações que se destinam a este fim, tais como a Associação Portuguesa de Gagos e a Associação Portuguesa de Terapeutas da Fala. Em equipa, em conjunto, conseguimos fazer mais e melhor.

       Com esta entrevista, esperemos ter elucidado as pessoas acerca da maneira como se processa a intervenção terapeutica num quadro de gaguez.

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